quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Comentário à cantiga de amor "Proençaes soem mui ben trobar"

Comentário à Cantiga de Amor

Proençaes soen mui bem trobar


Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.

Pero que troban e saben loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles poden, soõ sabedor
que os que troban quand'a frol sazon
á, e non ante, se Deus mi perdon,
non an tal coita qual eu ei sen par.

Ca os que troban e que s'alegrar
van eno tempo que ten a color
a frol consigu', e, tanto que se for
aquel tempo, logu'en trobar razon
non an, non viven [en] qual perdiçon
oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.

El-Rei D. Dinis, CV 127, CBN 489


Itens para análise:
. a relação entre o amor e o «tempo da frol»;
. a oposição «proençaes»/»Eu»;
. o tema da cantiga;
. o aspecto formal.


            As cantigas de amor fazem parte da lírica trovadoresca. Nestas, o trovador expressa o sentimento e sofrimento amoroso pela dama cortejada, falando em seu próprio nome e prestando-lhe uma “vassalagem amorosa”, obedecendo ao código do “amor cortês”. A “senhor” é sempre louvada e caracterizada como um ser perfeito.
            Na cantiga proposta para análise, o trovador critica o artificialismo do amor cortês em oposição à autenticidade do amor que ele sente. O trovador fundamenta esta questão pelo facto dos «proençais» apenas trovarem «no tempo da frol/e non en outro», o que prova a falta de sinceridade do seu sentimento, já que este só existe na primavera.
Desta forma o trovador considera-se diferente dos «proençais», pois o seu amor é sincero e o seu sofrimento verdadeiro, afirmando perentoriamente, através do presente do indicativo, que os «proençaes» não têm «tan gran coita no seu coraçon/qual m’eu por mha senhor vejo levar». Os «proençaes» não vivem o desespero em que ele vive «non viven en  qual perdiçon/oj’eu vivo», pois eles só trovam no «tempo da frol», «tanto que se for/aquel tempo, logu’en trobar razon/non an», o que confirma o artificialismo dos seus sentimentos. Há que salientar a ironia que o trovador utiliza na forma verbal «dizen», manifestando, assim, o seu cepticismo relativamente aos «proençaes» que não amam como ele, amor esse que «m’á-de matar».
Relativamente à  sua estrutura formal, é uma cantiga de mestria constituída por três estrofes de seis versos (sextilhas) predominantemente decassílabos. Quanto à rima, esta apresenta-se emparelhada em «amor» e «frol», e interpolada em «trobar» e «levar», de acordo com o seguinte esquema rimático: abbcca, que se repete ao longo das três estrofes. Em relação à morfologia, a rima é predominantemente pobre, como em «trobar» e «levar». No que respeita à acentuação é exclusivamente aguda «frol», e no que concerne à fonia é predominantemente consoante «loar», «par».

«Proençes soen mui ben trobar» é assim uma cantiga de amor que, ao contrário das outras, faz uma crítica ao «amor cortês» pela sua artificialidade, contrapondo-a à sinceridade do trovador que compõe a cantiga que sente um amor verdadeiro. 

Sem comentários:

Enviar um comentário