Comentário à Cantiga de Escárnio
Ai, dona fea, fostes-vos queixar
Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv'en [o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus me perdon,
pois avedes [a] tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
Joan Garcia
de Guilhade, CV 1097, CBN 1486
Para além da crítica à «dona fea»,
são também ridicularizadas as próprias cantigas de amor, pois o trovador afirma
que fará «já un bon cantar» «en que vos loarei toda via», desvirtualizando o
sentimento que poderia existir nesses cantares.
No
que diz respeito aos artifícios poéticos, para além do paralelismo semântico,
de que são constituídas as três estrofes que compõem a cantiga, existe o
mozdobre através do verbo «loar» («louv’en»; «loar»; «loarei»; «loaçon»;
«loei») o que reforça o objectivo do trovador: louvar a «dona fea».
Relativamente
à sua estrutura formal, esta é uma
cantiga de refrão, constituída, como já foi referido, por três estrofes de
cinco versos (quintilhas) predominantemente decassilábicos «Ai/ do/na/ fe/a/
fos/tes/vos/ quei/xar/» e refrão monóstico octossilábico «do/na/ fe/a/ ve/lha
e/ san/di/a». Quanto à rima, esta apresenta-se emparelhada em «queixar»,
«cantar» e «cantar» e cruzada em «via» e «sandia», de acordo com o seguinte
esquema rimático: aaabab, que se repete ao longo das três estrofes. Em relação
às classes de palavras, a rima é predominantemente pobre, como em «coraçon» e
«razon». No que respeita à acentuação é predominantemente aguda «loei», sendo
grave no refrão «sandia» e no que concerne à fonia é predominantemente
consoante na primeira estrofe «cantar» e na segunda «razon» e toante na
terceira «loei».
Concluindo,
estamos perante uma cantiga de escárnio que crítica uma «dona fea» que por se
ter queixado de não ter sido louvada por este trovador, recebe agora uma
“cantar de amor” envenenado, pois não tem nenhum elogio à sua pessoa.
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